Mercado Financeiro| 2 minutos de leitura

Dilema jurídico de assinatura eletrônica entre cartório e instituição financeira

Selecionado por: Johnny Vivan

Resumo: Este micro opúsculo pretende demonstrar a ingente importância do provimento 180 de 2024 do CNJ, em especial no registro de imóveis, no tocante à aceitação de títulos com assinaturas eletrônicas avançadas, criando um “elo de sintonia” com os títulos das instituições financeiras, inclusive quando grande parte dos clientes utiliza a plataforma gov.br, a partir de um comparativo com a legislação anterior, que ensejou um dilema jurídico aos cartórios de imóveis, atualmente superado pelo citado provimento.

1. Introdução

A questão das assinaturas válidas em documentos digitais é tema de grande importância na atualidade para o registro de imóveis. Isso porque hoje a maioria dos documentos recebidos para registro ou averbação são eletrônicos. Tal realidade é inescapável nos grandes centros e mesmo nas cidades de porte médio. Nas cidades pequenas, entretanto, os documentos físicos ainda são maioria, embora tal fato esteja em rápida mutação para os títulos nato-digitais e digitalizados com assinaturas eletrônicas, devido em grande parte ao agronegócio.

Quão importante as assinaturas eletrônicas ao registro de imóveis na atualidade que, enquanto os autores do presente texto terminavam de redigir uma crítica a não-aceitação por parte do registro de imóveis da assinatura avançada, por ausência normativa nacional, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) publicava uma norma suprindo tal crítica: O provimento 180 de 2024.

Desta forma, a primeira versão do presente artigo já “nasceu velha” porque tratou de um tema em concomitante regulamentação pela CNJ. Entretanto, mesmo “nascido velho”, este artigo revela a importância daquela normativa e a analisa, tendo sido o mesmo atualizado. Por fim, este artigo também poderá servir como argumentação às eventuais situações ocorridas antes do referido provimento.

2. A natureza jurídica e o conteúdo do Provimento 180/2024 da CNJ

O provimento 180/24 da CNJ é uma norma administrativa de natureza abstrata com efeito reflexo, ou seja, é uma norma que atinge não somente os tabeliães e oficiais de registro, mas também a sociedade em geral. Ademais, sua força normativa decorre do § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, incluído pela lei 14.383/22, que delega à Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis.

Aquele provimento alterou o Código Nacional de Normas (provimento 149/23) em diversos pontos, referente às várias especialidades extrajudiciais. No tocante ao cerne da presente matéria, interessa dizer que ocorreu a revogação expressa do art. 324 do citado código que tratava da recepção pelos registros de imóveis de títulos digitais, tanto aqueles nato-digitais (§ 1º da norma revogada), quando os digitalizados (§ 2º da norma revogada). Tal artigo revogado se encontrava topograficamente na parte de registro de imóveis.

Agora, a recepção de documentos pelo registro de imóveis em forma eletrônica não se encontra mais na parte específica do código de normas, porém, na parte geral. Isso significa que a recepção de títulos eletrônicos pelo registro de imóveis agora segue a mesma normativa da recepção de títulos pelas demais serventias.

Diferentemente do que ocorria na regulamentação anterior, existe agora previsões a respeito de recepção de títulos que possuam assinaturas avançadas. Tais previsões estão no art. 208 do Código Nacional de Normas (prov. 149/23).

O inciso I do § 1º do art. 208 do Código Nacional de Normas, prevê a possibilidade de recepção de documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado por todos os signatários por meio de assinatura qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e de registro. (grifos nossos).

Logo em seguida, o inciso II do mesmo parágrafo prevê a recepção de documento público ou particular que exija a assinatura apenas do apresentante, com os mesmos requisitos do documento citado no inciso I, tendo inclusive permissão de uso de assinatura qualificada ou avançada (grifos nossos).

Note-se que a diferença entre os incisos do § 1º do art. 208 do código nacional de normas é a seguinte: enquanto o seu inciso I trata de assinatura por todos os signatários, o seu inciso II, ao contrário, trata de assinatura apenas do apresentante.

Outra previsão é o inciso IV do supracitado art. 208, no qual se permite a aceitação de assinaturas qualificadas ou avançadas (grifos nossos) em documentos desmaterializados por qualquer notário ou registrador, desde que gerados em PDF/A e assinados pelos próprios, substitutos ou prepostos.

Avançando-se na norma, encontramos o § 2º do art. 208 do Código Nacional de Normas, que trata de títulos digitalizados em conformidade com o art. 5º do decreto 10.278/20. Agora, tais títulos podem utilizar também de assinaturas eletrônicas do tipo avançado, além das qualificadas.

Portanto, ciente das dificuldades dos cartórios brasileiros ante os dilemas normativos, a Corregedoria Nacional de Justiça atualizou o Código de Normas Nacional, a fim de permitir a sintonia normativa entre os cartórios de imóveis e as instituições financeiras. Dessa maneira, e nos termos do § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, o provimento 180/24 da CNJ foi o “elo de sintonia” entre o art. 17-A da lei 14.063/20 e o seu art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20.

Em resumo, é possível afirmar que os cartórios de imóveis poderão aceitar os “títulos nato-digitais públicos ou privados”, os “documentos desmaterializados” por notários ou registrador, além dos “títulos digitalizados” (nos termos do art. 5º do decreto 10.278/20), contendo “assinatura eletrônica avançada ou qualificada”.

Ocorre que, antes da publicação do provimento 180/24, caso tenha havido eventual ingresso equivocado nos fólios reais de títulos com assinatura avançada, seria importante conhecer a presente proposta de conservação dos negócios jurídicos, à luz da teoria de “A obrigação como processo”.

3. Origem, classificação e extensão normativa de assinatura eletrônica

A assinatura eletrônica foi instituída inicialmente pela MP 2.200-2/01, cujo seu art. 1º define bem o seu conceito legal: “a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica (…), bem como a realização de transações eletrônicas seguras”.

O certificado digital ICP-BR garante autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos (públicos e privados) em formato eletrônico, bem como as declarações constantes nesses documentos presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, nos termos do § 1º do art. 10 da MP 2.200-2/01 c/c o art. 219 do Código Civil.

Aliás, o conceito normativo de certificado digital ICP-BR é muito semelhante ao conceito normativo de assinatura eletrônica notarizada prevista no inciso I do art. 285 do prov. 149/23 da CNN/CN/CNJ-Extra1, ao dizer que se considera “assinatura eletrônica notarizada: qualquer forma de verificação de autoria, integridade e autenticidade de um documento eletrônico realizada por um notário, atribuindo fé pública”.

Note-se que as normas da CNJ e da MP 2.200-2/01 pretendem garantir a segurança na autoria, autenticidade, integridade e validade jurídica aos documentos (públicos e privados) em formato eletrônico.

A validade da certificação digital dar-se-á pela certificadora raiz da ICP-BR, por meio de ITI – Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (art. 12 da MP 2.200-2/01), disponível no site. Por outro lado, não se olvide que, no tocante às certidões dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais, nos termos do art. 68 da lei 8.934/94, será confirmada sua autenticidade no site, na parte de “verificação de documentos do empreendedor – certidão online”.

Por meio da lei 14.063/20, foram criadas as assinaturas eletrônicas simples, avançada e qualificada (art. 4º, incisos I, II e III), conforme o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, sendo que a assinatura eletrônica qualificada – que utiliza certificado digital ICP-BR (art. 4º, inciso III) – é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos (§ 1º do art. 4º).

Nos atos de transferência e registro de imóveis, será obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada (art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20). Entretanto, o § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, alterado pela lei 14.382/22, autorizou a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada para atos que envolvam imóveis.

Outrossim, o art. 38 da lei 11.977/09, alterado pela lei 14.382/22, também permitiu que os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, com a utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada. No tocante ao registro de imóveis, o § 2º do art. 38 da lei 11.977/09, também permitiu ao CNJ estabelecer hipóteses de admissão de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis.

Até então, antes do provimento 180/24 da CNJ, os títulos imobiliários (transferência de titularidade ou ônus reais) precisam de assinatura eletrônica qualificada, que ensejava, por conseguinte, um dilema jurídico nas serventias de imóveis, quando recebiam títulos com assinatura avançada.

2. Assinatura eletrônica nas instituições financeiras antes do Prov. 180/2024

s instituições financeiras, que atuam com crédito imobiliário autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública, e os partícipes dos contratos correspondentes poderão fazer uso das assinaturas eletrônicas nas modalidades avançada e qualificada (art. 17-A da lei 14.063/20 alterado pela lei 14.620/23).

É importante ressaltar que o art. 17-A da lei 14.063/20 fala expressamente em “celebração”, em vez de “registro” ou “averbação”, implicando, por conseguinte, que se trata de formalização de contrato entre a instituição financeira e o seu partícipe, em momento anterior ao registro de imóvel.

Na prática, as instituições financeiras solicitam ao cliente o uso de plataforma gov.br para assinar eletronicamente. Ocorre que em grande parte das vezes quando da utilização desta plataforma, utiliza-se de assinatura eletrônica avançada, e não da qualificada.

As identidades digitais da plataforma gov.br estão classificadas em três tipos: i) Identidade Digital Bronze; ii) Identidade Digital Prata; e iii) Identidade Digital Ouro, sendo que a bronze usará assinatura simples, ao passo que as duas últimas (prata e ouro), usaram as assinaturas simples e avançada (art. 1º, § 3º, da portaria SEDGGME 2.154/21), salvante para os atos de transferência e de registro de bens imóveis, que somente poderá usar assinatura qualificada (art. 1º, § 4º, da portaria SEDGGME 2.154/21 c/c o art. 4º, inciso III, alínea “a”, do decreto federal 10.543/20).

Dessa maneira, percebe-se que a plataforma gov.br permite dois tipos de assinaturas eletrônicas: uma avançada e outra qualificada. No entanto, os clientes na maioria das vezes, por não possuírem certificado digital ICP-Brasil (assinatura eletrônica qualificada), se utilizam da assinatura avançada, que ensejava um dilema registral.

3. Dilema registral antes do Prov. 180/2024: Assinatura eletrônica versus cartório de imóveis

Sucede que, à luz da doutrina de Clóvis V. do Couto e Silva, no seu livro “A obrigação como processo”, ao dizer, em suma, que a boa-fé contratual vai desde a celebração até o registro de imóveis, tudo indica que o art. 17-A da lei 14.063/20 criou um hiato jurídico com a regulamentação jurídica de assinatura eletrônica no registro de imóveis.

O art. 38 da lei 11.977/09 determina que atos de registros públicos deverão ser inseridos no registro eletrônico2, permitindo a criação da plataforma mantida pelo ONR – Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, integrado atualmente pelo ON-RCPN – Operador Nacional do Registro Civil das Pessoas Naturais, pelo ON-RTDPJ – Operador Nacional do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas.

O § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, incluído pela lei 14.393/22, permite a Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada para atos envolvendo registro de imóveis.

Eis aí o aparente dilema registral: Enquanto uma norma permite à instituição financeira atuante com crédito imobiliário o uso de assinatura eletrônica avançada (art. 17-A da lei 14.063/20); outra norma não permitia aceitá-la no registro de imóveis (art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20), até regulamentação em contrário da Corregedoria Nacional de Justiça (§ 2º do art. 17 da lei 6.015/73).

4. Uma ideia resolutiva ao dilema registral antes do Prov. 180/2024


Uma ideia resolutiva ao dilema normativo sobre assinaturas eletrônicas – à luz da teoria de Clóvis V. do Couto e Silva (“A obrigação como processo”) – seria a aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos3, positivado em nosso Código Civil. Por exemplo, “em caso de cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador” (art. 1.899); “na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados” (art. 1.547); “não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé” (art. 523).

Desse modo, seria possível interpretar as leis 14.063/20 (assinaturas eletrônicas) e 6.015/73 (lei de registros públicos) à luz do princípio da conservação dos negócios jurídicos, afastando-se, portanto, da regra tempus regit actum, a qual significa que o título se sujeita às condições vigentes ao tempo de sua apresentação a registro, sendo irrelevante a data de sua celebração.

Então, uma vez iniciada a obrigação contratual com instituição financeira contendo assinatura avançada, tudo indica que a serventia de imóveis poderia aceitá-la, com o intuito de terminar a referida obrigação, à luz da teoria de “A obrigação como processo”, mais conhecida como princípio da boa-fé objetiva contratual, positivado no art. 422 do Código Civil e também previsto no enunciado 25 da I Jornada de Direito Civil do CJF4, sem implicar, d’outro lado, violação normativa à legislação específica sobre registro de imóveis.

Nesse contexto, entendemos que, até a publicação do prov. 180/24 do CNJ, seria possível aceitar apenas assinaturas eletrônicas qualificadas no registro de imóveis. Entrementes, em caso de eventual ingresso equivocado no fólio real, tal argumentação jurídica é uma proposta de conservação dos negócios jurídicos com assinaturas avançadas, à luz da teoria de “a obrigação como processo”.

4.1 Da situação específica dos títulos do agronegócio

Antes mesmo do provimento 180/24 do CNJ já existia legislação complementar ao art. 17-A da lei 14.063/20, no tocante especificamente a legislação sobre cédula de crédito que parecia permitir o uso de assinatura eletrônica avançada. Aqui se adentra nos títulos do agronegócio.

Na cédula de crédito bancário – CCB, por exemplo, foi permitida assinatura eletrônica de maneira genérica (§ 5º do art. 20 da lei 10.931/04, alterada pela lei 13.986/20), condicionando apenas a garantia de identificação inequívoca de seu signatário, sem qualquer remissão à observância da lei 14.063/20 ou da MP 2.200-2/01, como fizeram expressamente outras leis e legislações (lei 6.015/73 e decreto federal 10.543/20).

Outrossim, na cédula de crédito rural hipotecária e/ou pignoratícia, também foi permitida ao emitente ou representante (com poderes especiais) a assinatura eletrônica, desde que garantida a identificação inequívoca de seu signatário, nos termos inciso IX do art. 14 c/c o inciso IX do art. 20, ambos do decreto-lei 167/67, sem qualquer tipo de remissão à observância da lei 14.063/20 ou da MP 2.200-2/01.

Nesse contexto, ante a ausência de remissão normativa expressa, o prov. 180/24 da CNJ praticamente espancou qualquer dúvida sobre as classificações de assinaturas eletrônicas permissivas nas cédulas de crédito bancário e rural, ou seja, os oficiais de imóveis podem aceitá-las com assinatura avançada e qualificada.

Na cédula de produto rural – CPR (lei 8.929/94), por sua vez, já foi bem mais específica, permitindo expressamente assinatura eletrônica avançada ou qualificada para registro e averbação constituída por bens móveis e imóveis, nos termos do inciso II do § 4º do art. 3º da lei 8.929/94, incluído pela lei 13.986/20. Ou seja, antes do provimento já existia uma regulamentação específica para tais títulos.

Como a lei específica delegou à Corregedoria Nacional de Justiça estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis, praticamente o prov. 180/24 da CNJ serviu para ratificar a força normativa do inciso II do § 4º do art. 3º da lei 8.929/94.

Assim, quando se analisa os atos normativos de títulos envolvendo o agronegócio em sintonia com o prov. 180/24, é possível concluir que a exceção tornou-se a regra, ou seja, antes eram poucas normas permitindo expressamente a assinatura eletrônica avançada ou qualificada, mas agora, após a citado provimento, tornou-se uma regra tal permissão, incluindo os títulos emitidos por instituições financeiras que atuam com crédito imobiliário.

5. Conclusão

A partir do provimento 180/24 da Corregedoria Nacional de Justiça se tornou possível a utilização de assinaturas eletrônicas avançadas perante os serviços de registro de imóveis para diversos títulos, nas hipóteses agora regulamentadas no art. 208 do Código Nacional de Normas, merecendo elogios essa regulamentação da CNJ, pois tratou de tema de extrema importância ao registro de imóveis e que carecia de regulamentação.

Ocorre que, antes daquele provimento, em que pese a grande evolução tecnológica nos negócios privados e públicos, a exemplo de assinaturas eletrônicas e de Serp – Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, tudo indicava que, ante a ausência de normas sistemáticas, era até possível a celebração contratual com assinatura eletrônica avançada, mas não se permitia o seu ingresso no registro de imóveis.

Após criação jurídica de chave digital ICP-BR (MP 2.200-2/01), sendo classificada como assinatura eletrônica qualificada para os atos de registro de imóveis (art. 5º, § 2º, inciso IV, da lei 14.063/20), representou um grande avanço aos negócios jurídicos, notadamente a criação de meios para uso de documentos nato-digitais.

Acontecia que, para celebração de contratos com instituição financeira atuante com crédito imobiliário, foi permitida a assinatura eletrônica avançada e qualificada (art. 17-A da lei 14.063/20, incluído pela lei 14.620/23), sem qualquer ressalva expressa ao § 2º do art. 17 da lei 6.015/73, que permite à Corregedoria Nacional de Justiça estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos que envolvam imóveis.

Para piorar, quando a instituição financeira solicitava ao cliente assinatura pela plataforma gov.br, ainda que a finalidade seja a segurança da celebração contratual, ensejava um problema registral, qual seja, na maioria das vezes, por não ter ICP-Brasil, o cliente assina através da assinatura avançada.

Dessa maneira, antes do prov. 180/24, ocorria o seguinte dilema jurídico: Conquanto permitida a celebração de contrato bancário com assinatura avançada, não seria permitido o seu ingresso no fólio real. Assim, com o intuito de resolver tal dilema às situações anteriores àquele provimento da CNJ, propomos a aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos – já positivado em nosso direito civil (art. 422 do Código Civil), em vez de aplicar a regra tempus regit actum, a qual significa que o título se sujeita às condições vigentes ao tempo de sua apresentação a registro.

A situação se encontra hoje normatizada de maneira correta pelo CNJ, terminando com a situação jurídica de insegurança que existia anteriormente.

Por fim, é deveras importante frisar que, havendo eventuais situações antes do provimento 180/24, será prudente interpretar cum grano salis as normas de assinaturas eletrônicas no registro de imóveis, a fim de manter em sintonia a boa-fé objetiva contratual com o sistema de registro de imóveis.

__________

1 Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra).

2 Cf. o art. 76 da Lei nº 13.465/2017 c/c o Provimento nº 89/2019, da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça. Em seguida, foi publicada a Lei n.º 14.382/2022, que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP) c/c o Prov. 149/2023 do CNN/ CN/CNJ-Extra.

3 BUZAR, Maurício. A invalidade do negócio jurídico. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 181-183.

4 “Art. 422. [do Código Civil]. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. No mesmo sentido, diz o enunciado 25 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”

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